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AIRTON MONTEIRO - MONÓLOGOS DE UMA RAPOSA

Sempre fui um admirador de Walt Disney. Não tanto pelo espetacular parque de diversões ou por sua magnífica criatividade.

Por Flávio José Jardim atualizado há 5 anos
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AIRTON MONTEIRO - MONÓLOGOS DE UMA RAPOSA

       Muito mais pela empresa que conseguiu criar e pela maneira como ela funciona.

       Pelo jeito especial de atrair e deslumbrar os clientes e pela forma criativa de passar as mensagens que ele queria, através de personagens devidamente caracterizadas e tipificados, principalmente os animais, por quem, me parece, ele nutria especial carinho e admiração.

       Lá pelos idos de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, tempos difíceis. De guerra fria. De espionagens e contra espionagens, de narrativas falsas, de fake News quando ainda não tinham esse nome as sacanagens da imprensa.

       Nesse mundo conturbado em que muitos perderam a vida muito mais por ideologias políticas do que por ideais democráticos, ele produz um filmezinho despretensioso, de apenas oito minutos, alertando a todos para algumas coisas que estavam acontecendo.

       Pena que, como hoje, as pessoas tenham dificuldade em interpretar, entender e assimilar as lições passadas de forma lúdica. Pensam que é brincadeira!

       Dia desses, peguei esse filmezinho de novo e achei interessante sua atualidade.

O Filmezinho tem o título de Chicken Little ou O Frangote, em tradução livre.

       É a história de um terreiro de fazenda, bem parecido com aquele outro de O Galo José.

       Com a diferença de que nessa história são apresentados os diversos atores e seus papéis na fazenda.

       Primeiro Dr. Galo, que deve ser um dos inúmeros descendentes do Galo José que ele considerava que não davam nem um caldo, mas esse era Inspetor Chefe do Galinheiro e Diretor Geral da Produção de Ovos.

       Um Magnata, na acepção da palavra, ligado ao agronegócio, de grande pança, fraque e cartola; relógio de algibeira, charuto havana e uma bonomia pra ninguém botar defeito.

       Mantinha a ordem no terreiro, sem alterar a voz.

A ele todos recorriam nas dificuldades.

Havia ainda o salão de beleza de Madame Poulet, onde além de capricharem nas penugens e cristas, as galinhas e frangotas caprichavam nas unhas, para arranhar seus parceiros.

       As galinhas, chocadeiras ou poedeiras que, além do crochê e dos bordados, só tinham tempo para conversar, sentavam o sarrafo e a tesoura na vida alheia, sem a menor cerimônia.

       Aliás vocês conhecem melhor diversão do que falar mal da vida alheia ou meter o pau no governo?

Havia ainda o Conselheiro Peru, com sua petulância armada, desfilando de penas assanhadas pelo terreiro e morrendo de inveja da beleza do pavão, juntamente com os outros grã-finos da fazenda, metidos a intelectuais, em seus chás e rodadas de conhaque e Whisky, que se compraziam em discutir as melhores soluções para salvar o mundo e corrigir os defeitos da humanidade.

       Os grupos de balada dos frangotes e frangotas que se esbaldavam nos embalos de sábado à noite. Sexo, drogas e rock in roll.

       Os gansos e os patos que vivem sempre na água, aquela água que passarinho não bebe, nos botequins das esquinas da fazenda, enchendo a cara o e o papo.

       Bando de irresponsáveis, segundo classificação de Dona Galinha e das demais senhoras da sociedade. Os ‘causos’ mais picantes da fazenda sempre tinham um deles como protagonista.

       Por fim, nosso herói! O Pintinho Ingênuo! De cabeça mole, espírito leve, campeão de ioiô, que ninguém levava a sério para nada, mas, um menino de família.

       Todos eram muito felizes e tranquilos porque a cerca é alta, tem cadeado, Dr. Galo é o Líder e ainda existe a espingarda do guarda da fazenda.

Mas, lá fora, há alguém muito interessada na felicidade deles. Um interesse gourmet, claro, mas interesse.

       A velha Raposa das redondezas, que vivia a espreitar tudo que se passava na fazenda e que se babava com tantas coxas gordas e peitos, ou seriam titelas? Carnudas. Mas ela não tinha coragem nem vontade de manter um confronto direto.

       E então a Raposa concluiu que precisava usar uma coisa nova que estavam estudando no mundo inteiro, a psicologia. Lembram Goebbls e Pavlov?

Daí surgiu o Monologo da Raposa:

Monólogo 1. Por que só comer um, se pode devorar todos?

Monólogo 2. Para influenciar as massas, dirija-se primeiro ao menos inteligente, com cara de otário;

Monólogo 3. Se tiver que contar uma mentira, não conte uma pequena, conte uma mentira bem grande;

       E aí a raposa começou a traçar suas estratégias, já que estava definido o Objetivo: devorar todas as galinhas.

       Daí nossa primeira lição: um objetivo ou uma meta só existem se houver um problema a resolver. Um problema explicitado, Viu?! A fome ou a vontade de comer!

       E estratégias só podem ser estabelecidas depois que o objetivo é definido e aceito! Concordam?

       E, como a raposa não era burra, achou o otário imediatamente: O Pintinho Ingênuo.

       Fez cair uma chuva sobre ele e jogou-lhe uma pedra na cabeça que se transformou num imenso galo, enquanto uma voz lhe sussurrava por trás da cerca: ‘o céu está caindo sobre sua cabeça. Corra e vá avisar aos outros’.

       Mas depressa que imediatamente, o otário, ou melhor o pintinho saiu em desabalada carreira, gritando a plenos pulmões, que o céu estava despencando sobre todos eles. 

       Até se topar com a enorme pança do Dr. Galo, que o acolheu, mandou que as galinhas lhe colocassem um emplastro na cabeça e aconselhou a todos que voltassem ao trabalho.

       Nessa primeira, a raposa perdeu, mas isso não iria ficar assim.

       Plantou-se ela em cima da cerca, num lugar estratégico e jogou uma pedra na cabeça do Dr. Galo, que caiu desacordado.

Monólogo 4. Destrua a confiança do povo nos seus chefes;

Monologo 5. Através da bajulação qualquer simplório pode se achar um grande líder, como Doriana ou como o pintinho otário;

       Agora é só começar a boataria: o Dr. Galo está velho. Ele é grosso. Não tem condições de dirigir o galinheiro em tempos de cólera, tá ficando gagá...

       No salão de beleza era só no que se falava. Nos botequins, todos os pinguços estavam de acordo.

       O Intelectual Peru chegou até a fazer uma preleção sobre o Mito da Caverna para mostrar suas verdades e, no entanto, esqueceu que o Mito da Caverna de Platão é na verdade quase uma premonição da Televisão, já que as pessoas viam o mundo através de sombras causadas por uma luminosidade às suas costas. E, dessa maneira, as pessoas dentro da caverna, interpretavam a vida pelas sombras da luminosidade que viam e não pela visão real. (A não ser que haja outro, esse é o Mito da Caverna que conheço!)

       Que engraçado! Alguém viu um pinto cantar e pensou que era um galo.

       Mas, enfim, tudo terminou como a raposa queria.

       O Pintinho Ingênuo se tornou o grande líder, convencido pelos puxa-sacos, e sob os conselhos úteis da Raposa.

       Foi encontrada uma antiga caverna úmida e escura para onde todos os galináceos foram tangidos, para se livrarem do coron ou melhor, dos pedaços de céu, caindo sobre suas cabeças.

       Escaparam apenas alguns, apanhados pelo vírus corona, antes de fugirem.

       E, a senhora Raposa, esperta e inteligente como ela só, refestelada na entrada da caverna, conseguiu se banquetear, todos os dias, sem se preocupar mais com bobagens.

       Agora me digam uma coisa: vocês que conhecem os filmes de Disney, podem me perguntar: Tem certeza que esse filmezinho, é um filmezinho de Disney?

       O filme não faz sentido com a ética de Walt Disney. O mal não pode vencer o bem! Nunca!

       Vejamos o último dos monólogos da raposa:

Monólogo 6. Quem disse que a estória tem que acabar bem para as galinhas? A Ética?

Monólogo 7. As coisas sempre acabam mal para quem acredita em boatos.        Obrigado Walt Disney por me ter dado a base de escrever mais essa lição, tão apropriada aos dias de hoje.

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