UM CHOPE PARA ETERNIZAR UMA VOZ
Show-homenagem de Marco Jardim e lembrar do ato histórico de Geraldo Freire reacendem o legado de Paulo Diniz, o poeta sonoro de Pesqueira
Por Flávio José Jardim
atualizado há 3 dias
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A música brasileira, tão vasta quanto a alma do seu povo, às vezes silencia para ouvir de novo aqueles que fizeram a vida cantar. É o que promete acontecer no dia 27 de novembro, às 20h, quando o professor, músico e artista Marco Jardim sobe ao palco da Escola Municipal de Arte João Pernambuco para apresentar o espetáculo “Um Chope pra Distrair”. Não se trata apenas de um show: é uma convocação ao coração. Uma celebração à memória vibrante do compositor pesqueirense Paulo Diniz, cuja obra atravessou décadas e ainda pulsa como quem nunca foi embora.
Marco, também filho de Pesqueira, carrega no peito a missão de revisitar o repertório de Diniz não como quem repete, mas como quem revive. Em cada arranjo, ele devolve luz ao mestre que transformou poesia em melodia, dor em canto e simplicidade em eternidade. A Semana da Música, da qual o show faz parte, ganha com isso um brilho raro: aquele que só surge quando um artista presta reverência ao seu próprio berço cultural.
No palco da João Pernambuco, Marco fará mais que cantar. Ele abrirá janelas para o passado, remexendo nas histórias que se escondem por trás das canções que marcaram gerações. A plateia será convidada a viajar pelos tempos em que “Pingos de Amor” embalava corações adolescentes e “Quero Voltar pra Bahia” se espalhava pelo rádio como confissão e liberdade.
Paulo Diniz, que nasceu em Pesqueira em 1940, começou como locutor de rádio antes de conquistar o país com sua voz grave, sua rítmica peculiar e sua ousadia de transformar poesia clássica em música popular. Era um alquimista. Fez Drummond virar canção. Fez Manuel Bandeira voltar a Pasárgada com novos acordes. Fez da memória um território sonoro, cheio de vida.
O show de Marco resgata isso: a capacidade que Diniz tinha de juntar mundos. Ele navegou pelos anos 1970 com hits que ainda hoje se reconhecem nos primeiros acordes. E, mesmo quando a saúde o levou a uma cadeira de rodas, nos anos 1980, ele continuou compondo, reafirmando que arte não é corpo: é permanência.
O convite está lançado. E não é apenas para assistir a um espetáculo. É para reencontrar um conterrâneo que nunca se despediu de verdade. É para brindar, com um chope simbólico, a continuidade de uma obra que ainda respira.
EM ABRIL DE 2022, GERALDO FREIRE AFIXOU PLACA
A homenagem a Paulo Diniz é ampla. Em abril de 2022, em Pesqueira, sua terra natal, um gesto simbólico e profundamente afetivo marcou um sábado inesquecível. A iniciativa partiu do comunicador, amigo e radialista Geraldo Freire, uma das vozes mais conhecidas do rádio pernambucano, que decidiu fincar na história o nome daquele menino que cresceu entre riachos, casas simples e a força misteriosa do interior.
A casa número 06 da Rua Farroupilha — endereço onde Diniz nasceu e viveu — recebeu uma placa comemorativa, transformando o local em ponto de memória. Não foi apenas uma placa. É um altar da saudade. É o reconhecimento de que, naquele pedaço de terra, brotou um dos mais importantes nomes da música popular brasileira.
Geraldo disse que a homenagem nasceu da simplicidade — a mesma simplicidade que Paulo carregava na alma. Naquele tempo (quando Paulo nasceu), a rua não tinha calçamento, o terreno era tomado pela vegetação rasteira, e um pequeno riacho serpenteava pela paisagem, onde lavadeiras batiam roupa contra as pedras. Era um cenário modesto, mas cheio de vida, onde o jovem Paulo moldou seus primeiros sonhos.
O dia da homenagem foi marcado por emoção. Mais de uma centena de pessoas se reuniram, entre moradores, artistas, músicos e convidados ilustres. Paulo, impossibilitado de comparecer em razão de seu estado de saúde à época, não esteve fisicamente presente. Mas sua voz ecoou. Seus versos circularam no vento que passava pela Rua Farroupilha.
A tarde ganhou brilho com apresentações do Projeto Sementes do Amanhã, grupo de crianças e adolescentes incentivado pelo próprio Geraldo Freire. Jovens músicos interpretaram os sucessos de Diniz com uma sensibilidade que fez muitas lágrimas caírem em silêncio. Era como se o passado se encontrasse com o futuro bem ali, no meio da rua que viu o menino crescer.
O cantor Sérgio Amaral era vivo e estava lá. A voz marcante de Dona Isabel do INSS — moradora da mesma rua — e o lendário Almir dos Fevers também emprestaram seu talento ao momento. Cada nota parecia uma prece. Cada aplauso, um abraço ao legado de Paulo.
Para Geraldo, o instante foi único. “Foi um dia de boas recordações”, disse ele, emocionado. “Paulo Diniz merece estar para sempre no coração da sua gente. Essa homenagem é pequena diante do que ele representa.”
E assim, entre música, memória e afeto, Pesqueira reafirmou sua identidade cultural. Não há placa que segure o tempo, mas há gestos que o eternizam. Paulo Diniz vive — nas ruas, nas vozes, nos palcos, nos cantos onde a emoção decide permanecer.
No Recife, Marco Jardim prepara o palco. Em Pesqueira, a Rua Farroupilha guarda o início de tudo. Entre as duas cidades, corre um fio invisível, feito de poesia, de música e de gratidão.
E é por isso que, no dia 27, cada aplauso será também um reencontro. Uma forma de dizer, bem baixinho, mas com força suficiente para atravessar décadas:
Obrigado, Paulo. Ainda ouvimos você.
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