CASO CACIQUE | Comissão Nacional de Direitos Humanos emite parecer sobre caso do Cacique Marcos no TSE
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) faz manifestação no TSE sobre o caso do cacique Marquinhos, em Pesqueira: “À vontade democrática da maioria absoluta de 51,60% eleitores que o elegeu como seu legítimo representante na Prefeitura Municipal de Pesqueira/PE”. Julgamento pode continuar nesta sexta-feira (11 de junho)
Por Flávio José Jardim
atualizado há 3 anos
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O presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Yuri Costa, apresentou parecer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o caso do cacique Marcos Luidson, que foi eleito prefeito de Pesqueira nas eleições do ano passado e ainda não assumiu.
Segundo o presidente da CNDH deve prevalecer “a vontade democrática da maioria absoluta de 51,60% eleitores que o elegeu como seu legítimo representante na Prefeitura Municipal de Pesqueira/PE”.
“Nesse sentido, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos reitera os termos do Parecer "Interpretação das inelegibilidades de candidato indígena. Exegese restritiva de restrição a direitos fundamentais, representatividade de minorias estigmatizadas e igualdade política. Direito à diferença e diálogos interculturais", elaborado pelos professores de direito constitucional (em anexo), Daniel Sarmento e Ademar Borges, e manifesta-se pelo provimento do pedido realizado em sede de Recurso Especial Eleitoral, pelo requerente Sr. Marcos Luidson de Araújo – Cacique Marquinhos Xucuru –, em respeito à estrita legalidade, princípio expresso na Constituição Federal no Art. 37; à segurança jurídica; e à vontade democrática da maioria absoluta de 51,60% eleitores que o elegeu como seu legítimo representante na Prefeitura Municipal de Pesqueira/PE.
VEJA DOCUMENTO ABAIXO EM TEXTO E ACIMA EM PDF LEVE.
OFÍCIO N.° 1004/2021/CNDH/SNPG/MMFDH
Brasília, 09 de junho de 2021
A Sua Excelência o Senhor
SÉRGIO SILVEIRA BANHOS
Ministro Tribunal Superior
Manifestação CNDH. Cacique Marquinhos Xucuru. Recurso Especial Eleitoral n° 0600136- 96.2020.6.17.0055
Senhor Ministro,
1. Cumprimentando-o cordialmente, este Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH vem mui respeitosamente manifestar-se em relação à denúncia recebida por este Conselho sobre o direito de posse de MARCOS LUIDSON DE ARAÚJO, conhecido como CACIQUE MARQUINHOS XUCURU, prefeito eleito por maioria de votos (51,60%) nas últimas eleições do Município de Pesqueira/PE - Recurso Especial Eleitoral n° 0600136-96.2020.6.17.0055, em trâmite perante o Tribunal Superior Eleitoral, sob Vossa Relatoria.
2. Consta da referida denúncia recebida por este CNDH que o Cacique Marquinhos Xucuru teve o registro de sua candidatura, que fora originariamente deferido pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral do Estado de Pernambuco, posteriormente indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, por apertada maioria de 4 votos contra 3. Que o fundamento para o indeferimento foi a suposta caracterização da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “e”, número 2, da Lei Complementar n° 64/90, tendo em vista a existência de condenação criminal contra o Consulente nos autos da Ação Penal n° 0000366-76.2006.4.05.8302, pela prática do delito de incêndio (art. 250 do Código Penal), transitada em julgado em 2015. O Consulente recebeu indulto presidencial em relação a essa condenação, concedido em 2016.
3. Segue o relato informando que, como fundamento para indeferir a candidatura, o TRE/PE interpretou que a prática de causar incêndio seria um crime contra o patrimônio privado, razão pela qual se justificaria o enquadramento no art. 1º, inciso I, alínea "e", número 2, da Lei Complementar n. 64/90 (redação dada pela Lei Complementar n. 135/2010), segundo o qual ―são inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência.
4. Argumenta-se que se trata de um crime contra a incolumidade pública; e que as hipóteses de inelegibilidade constantes na LC n. 64/90 são taxativas, ou seja, não se pode dar a elas interpretação extensiva que venha a ampliar a restrição de direitos, o recorrente apresenta Recurso Especial Eleitoral a este egrégio Tribunal Superior Eleitoral a fim de exercer plenamente seus direitos políticos.
5. Destacam-se os seguintes trechos da denúncia: Ademais, ao longo dos autos deste processo, o recorrente apresenta o contexto fático de violência e conflitos territoriais que envolvem o povo indígena Xucuru, a fim de elucidar os fatos ocorridos para que a decisão não incorra em um juízo equivocado diante de um contexto cultural diverso. Toda e qualquer lide que envolva os povos indígenas precisa haver um esforço de diálogo intercultural por parte do Estado brasileiro, considerando-se a diferença de percepções cognitivas acerca dos mesmos fatos, em vista da diversidade cultural. [...]
As razões que sustentam a causa do indeferimento do Requerimento de Registro de Candidatura de Marcos Luidson de Araújo – o Cacique Marquinhos – foram baseadas em um longo conflito fundiário, sobre o qual o Sistema Interamericano de Direitos Humanos já se manifestou em duas oportunidades. Expediu-se uma sentença de condenação do Estado brasileiro em razão de violações de direitos humanos, no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos; e emitiu-se Medida Cautelar, no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em favor do Cacique Marquinhos, em vistas do risco gravíssimo de morte ao qual estava submetido.
Após ser vítima de um atentado à sua vida, havendo a consumação do assassinato de dois indígenas que o acompanhavam, instalou-se um conflito que levou ao incendeio de veículos e imóveis pertencentes ao povo do qual os responsáveis pelo atentado fazem parte. Em razão do ocorrido, o Cacique Marquinhos foi condenado a 4 (quatro) anos de reclusão, mais 20 (vinte) dias-multa, substituídas por duas penas restritivas de direito, tendo esta decisão transitado em julgado no dia 27/02/2015, retornando à origem para execução da pena aplicada ao candidato. Em sequência, o Cacique Marquinhos foi beneficiado por indulto presidencial concedido pelo Decreto n° 8.615/2015, o qual foi homologado em 18/07/2016, quando o recorrente resgatou seus direitos políticos.
6. Informou-se, ainda, a este Conselho que o recorrente apresentou contextualização dos fatos à Corte por meio de documentos que a perpassam: i) a decisão penal condenatória; ii) a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso do Povo Indígena Xucuru e seus Membros vs. Brasil, expedida em 05 de fevereiro de 2018 e que condena o Estado brasileiro por violações de direitos humanos; iii) o relatório da Comissão Especial do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – atualmente denominado Conselho Nacional de Direitos Humanos – sobre a problemática da violência entre os Xucuru; iv) a expedição de Medida Cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em favor do Cacique Marquinhos Xucuru; v) documento etnográfico produzido pelas antropólogas Vânia Fialho e Rita de Cássia Maria Neves, explicando o conflito interétnico fundiário no qual está submetido o povo Xucuru.
7. Ao tomar ciência do fato, este CNDH instaurou procedimento para acompanhar a questão - Processo SEI nº 00135.225929/2020-76.
8. Considerando que o CNDH, órgão autônomo criado pela Lei nº 12.986/14, tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos e a proteção aos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais, previstos na Constituição Federal, nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil.
9. Considerando a decisão do Juízo de 1ª instância da 55ª ZE/PE, pelo deferimento do registro de candidatura do requerente, conforme sentença: Embora a percepção dos bens jurídicos tutelados seja ampla e subjetiva em termos acadêmicos, tal subjetivismo não pode atingir de morte a segurança jurídica, mormente quando se está diante de normas restritivas de direitos. Não se pode perder de vista que se trata de registro de candidatura, direito elementar ligado ao Estado Democrático, bem jurídico que deve ser livre de interpretações que tragam insegurança à capacidade eleitoral passiva.
Nessa esteira, a impugnação de registro de candidatura deve estar pautada em termos claros, normas objetivas, subsunções precisas. Não cabe ao julgador intervir na vontade legislativa e criar situações de inelegibilidades, deve, sim, observar de forma estrita as causas de inelegibilidades e aplicá-las no caso concreto. No caso em tela, há condenação por crime de incêndio, disposto no título VIII do Código Penal Brasileiro, sob o título de crimes contra a incolumidade pública. Tal título não está incluso no rol taxativo de inelegibilidade disposto no art. 1º, I, e da Lei Complementar em comento. Ora, infere-se que a vontade legislativa excluiu das causas de inelegibilidades os crimes dispostos nesse título, de forma a, numa interpretação restritiva da norma, não causarem qualquer inelegibilidade. [...]
Diante disso, não há de falar em inelegibilidade no caso concreto. Isso porque tal pedido carece de fundamento legal objetivo e foge a uma interpretação linear, objetiva e restritiva da norma. Sendo assim, é de rigor a improcedência da presente ação de impugnação.
10. Considerando o reiterado posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral de que não se pode haver penas restritivas de direitos com base em interpretações extensivas que violam a norma legal (RESPE 10554, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 13/12/2017; e RO 981-50; Rel. Min. João Otávio de Noronha; PSESS de 30/9/2014), a exemplo da sustentação do Ministro João Otávio Noronha (RO 981- 50.2014.6.21.0000, Rel. Min. João Otávio de Noronha, PSESS de 30/09/2014): Registre-se que as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, "evitando-se a criação de restrição de direitos políticos sobre bases frágeis e inseguras decorrentes de mera presunção, ofensiva à dogmática de proteção dos direitos fundamentais" (REspe 397-23/PR, Rei. Mm. Gilmar Mendes, DJe de 5.9.2014). Ainda a esse respeito, cito o entendimento por mim externado no julgamento do REspe 76-79/AM, em 15.10.2013: Essa matéria desafia, sem qualquer sombra de dúvida, uma interpretação estrita. Não se pode utilizar critérios hermenêuticos como a analogia para restringir direitos. [...] Com efeito, se adotado raciocínio contrário, qualquer crime que tangenciasse o patrimônio privado - e não somente os previstos no Título II da parte especial do Código penal - poderia ser, em tese, objeto da inelegibilidade do art. 1, 1, e, 2, da LC 64/90, o que, a toda evidência, mostra-se inadmissível, porquanto conferiria a essa causa de inelegibilidade extensão maior do que a prevista pelo legislador.
11. Nesse sentido, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos reitera os termos do Parecer "Interpretação das inelegibilidades de candidato indígena. Exegese restritiva de restrição a direitos fundamentais, representatividade de minorias estigmatizadas e igualdade política. Direito à diferença e diálogos interculturais", elaborado pelos professores de direito constitucional (em anexo), Daniel Sarmento e Ademar Borges, e manifesta-se pelo provimento do pedido realizado em sede de Recurso Especial Eleitoral, pelo requerente Sr. Marcos Luidson de Araújo – Cacique Marquinhos Xucuru –, em respeito à estrita legalidade, princípio expresso na Constituição Federal no Art. 37; à segurança jurídica; e à vontade democrática da maioria absoluta de 51,60% eleitores que o elegeu como seu legítimo representante na Prefeitura Municipal de Pesqueira/PE.
12. Solicita-se que este ofício, bem como seu anexo, constem nos autos do Recurso Especial Eleitoral n° 0600136-96.2020.6.17.0055.
13. Colocamos a equipe da Secretaria Executiva do CNDH à disposição para mais informações por meio do endereço eletrônico cndh@mdh.gov.br; ou pelos telefones (61) 2027-3945/3907.
14. Ao ensejo, renovo a Vossa Senhoria protestos de estima e consideração.
15. Atenciosamente,
YURI COSTA - Presidente Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH
VEJA PARECER ABAIXO elaborado pelos professores de direito constitucional, Daniel Sarmento e Ademar Borges, e manifesta-se pelo provimento do pedido realizado em sede de Recurso Especial Eleitoral.
Leia em PDF LEVE


Vale lembrar que o Cacique Marcos foi eleito prefeito de Pesqueira nas urnas em novembro do ano passado, mas não assumiu devido ao registro da candidatura. Nesta sexta-feira (11), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode dar continuidade ao julgamento do caso.

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